Trecho interessante do documentário.
Quem
se interessa pelo assunto "ciência versus religião" ou a
busca da conciliação ou pontos de contato entre ciencia e religião,
poderá se interessar pelo documentário de três episódios "Aperfeiçoamento
Humano" (no original Technocalyps),
produzido por Frank
Theys e veiculado no History Channel de Portugal.
O
documentário possui entrevistas interessantes e traz algumas
revelações sobre ala transhumanista "pentecostal", isto
é, aquela interessada em fazer uma colagem a qualquer custo entre
ciência e religião (ao contrário das alas mais cética e
críticas) e a inspiração religiosa por trás dos líderes de grandes projetos científicos, como a exploração espacial e o projeto do Genoma Humano.
A
temática de "Aperfeiçoamento Humano" é semelhante a do
documentário Transcendent Man, inclusive muitas das pessoas que
aparecem em Transcendent Man também estão lá. Algumas entrevistas
são até melhores ou pelo menos mais extensas, como a de Hugo de Garis. "Aperfeiçoamento
Humano" é alguns anos mais antigo que Transcendente Man
(terminou de ser filmado em 2006, enquanto Transcendent Man terminou
de ser filmado em 2009).
Como
eu ia dizendo, do ponto positivo há o fato de que as entrevistas são
mais extensas, há outros entrevistados bons, mas, prepare-se: conclusões e entrevistados completamente malucos também estão presentes, principalmente no final do
terceiro episódio (o pior de todos).
Documentário Aperfeiçoamento Humano: entrevistas boas, atmosfera "dark", imagens desagradáveis, costura apressada entre ciência e religião. |
Os
pontos negativos são vários. Em primeiro lugar, a atmosfera dark,
de "cine trash" do documentário, a começar pelo título
original, em inglês: "Technocalyps".
Isso torna o documentário tão estranho e esteticamente tão
desagradável que demorei um pouco para ter certeza se o filme queria fazer proselitismo ou atacar o transhumanismo. Por incrível
que pareça, era proselitismo mesmo.
Abusa-se
de imagens e motivos religiosos com efeitos especiais toscos de
anjos, alienígenas verdes e centauros jogando futebol (e eu que
pensava que os centauros eram criaturas mais sábias!). Ficaria
melhor ter mostrado pinturas renascentistas do que esses efeitos
especiais mal feitos. Há uma cena de impressionante mal gosto com a
exposição irritantemente longa de animais atropelados. A trilha
sonora parece extraída de videogame de combate.
Mas
o ponto realmente negativo e inaceitável do documentário é a
utilização de algumas ideias que apelam para uma credulidade quase religiosa para costurar a conciliação
entre ciência e religião. Se a ideia é mostrar que religião e
ciência podem caminhar juntas e que sua separação é recente, há
farta evidência histórica sobre isso (ex: antigos egípcios, os
alquimistas etc.). Mas é totalmente dispensável apelar para o mais
bizarro dos misticismos para isso, como é feito no final
do terceiro episódio. O clímax do misticismo bizarro é a picaretíssima fala do místico francês e "profeta de
extraterrestres" Rael -- uma verdadeira agressão a todo aquele
que possuir um mínimo de massa encefálica entre as orelhas.
Não
estou dizendo que toda ponte que se tente fazer entre a ciência e a
realização é descabida ou que o filme não traz observações
interessantes. Na vida, temos que tentar separar a criança da água
suja. Achei muita coisa ali interessante. Só que essa relação
entre tecnociência e relligião não é bem estudada, nem tampouco
aproveitada (não se diz: quais pedaços de ciência e religião são
inconciliáveis, quais são aproveitáveis etc.). O resultado dessa
pressa é algo que é feio demais para ser atrativo como religião e
crédulo demais para ser aceito por uma mente minimamente cética. É
o problema da sereia transhumanista: na pressa de se desfrutar os
amores de uma bela sereira, naufraga-se a nau da razão, a única que
poderia levar o marujo encantado para os braços de uma mulher de verdade.
Eu
tenho a intuição de que algum movimento semelhante ao transhumanismo poderá estabelecer uma ponte entre ciência e religião. Da ciência,
aproveitando-se a razão como meio de apropriação e transformação do
mundo. Da religião, aproveita-se a estética e os sonhos que
satisfazem a dolorosa condição humana. O resultado, seria algo que
tem os sonhos da religião como projetos a serem realizados pela
ciência e tecnologia. Os dogmas religiosos deixam de ser dogmas em
que você tem que acreditar e se transformam em projetos que você
deve perseguir. Esse é o pensamento que, para mim, parece estar por trás de vários pensadores
transhumanistas e no movimento da singularidade. E, na minha opinião,
tem o potencial para se transformar em um mito moderno. Mito no
sentido positivo que lhe dava Joseph Campbell, uma espécie de
software mental que orienta nossa ação e compreensão no mundo, que
organiza a relação entre o eu mortal e tudo-o-mais. Um mito que,
portanto, não precisa ser necessariamente falso ou baseado no
misticismo. Pode ser baseado na engenharia.
Mas o documentário Aprimoramento Humano não atinge esse objetivo, não
consegue costurar bem esse mito, porque acaba apelando para um misticismo agressivo (sinceramente, Rael?!?) e para um déficit de racionalidade
ou espírito cético. Mas é mais um experimento na tentativa de se costurar um
mito moderno. Vale lembrar que as religiões tradicionais contaram
com centenas ou milhares de anos de experimentação e seleção
cultural para atingir o design atual (alguém se lembra da cena de
vários pretensos messias profetizando e competindo por seguidores em
"A Vida de
Bryan"?). O transhumanismo e o movimento da singularidade
são extremamente recentes e estão se saindo bem. Aguardemos os
próximos experimentos.
Cara, só sei que, quem não sonha com a vida eterna são pessoas com má vontade... Seria extraordinário!
ResponderExcluir(Andreza)