por Jason LOUV
Quais serão as disciplinas críticas que irão conduzir a humanidade no século 21 à iniciação? Como é que aqueles que desejam mudar do assento de espectadores para o meio do anel conseguirão fazer isso? Como a humanidade fez isso no passado?
Os antigos representavam o salão de iniciação nos mistérios ladeado por duas colunas - uma preta, outra branca. A tradição sobrevive no cerimonial da maçonaria e no cartão da sacerdotisa do tarô, onde Isis, a iniciadora nos mistérios, aparece entre os dois pilares, conciliando-os.
Para os antigos, o pilar negro representava, entre outras coisas, o caminho da calcinação do ego; o branco, o caminho da dissolução do ego. Estes ideais abstratos ou, se preferirem, "maneiras de levar a vida", acabaram sendo chamados na linguagem comum de "magia branca” ou “magina negra", mas perderam seu significado original, sendo transmitidos de maneira errada.
Se restaurarmos seu simbolismo original, no entanto, os pilares do Templo de Salomão podem oferecer sugestões cruciais sobre os modos de transcendência que a humanidade no século 21 está começando a explorar. Vou traçar isso em linhas claras para os psiconautas iniciantes.
O caminho da mão esquerda: o transhumanismo
Transhumanismo é o aumento e, portanto, o reforço de si mesmo. É o cume do "projeto da civilização ocidental" que está em curso e sempre tem se preocupado em estender a manifestação da vontade individual sobre a realidade física. É o uso da tecnologia direcionada para amplificar a experiência humana - e a tecnologia pode também significar meios ou técnicas não físicos.
Aqui eu chamo atenção para a inseparabilidade crescente de seres humanos e tecnologia de comunicação. Tanto o aumento real do corpo com as redes, a modificação corporal, a nanotecnologia etc., quanto as técnicas de mudança corporal como hatha yoga, artes marciais, cirurgia plástica, o trabalho de Wilhelm Reich, energia médica, EFT/EMDR, as contribuições do Movimento do Potencial Humano e a indústria de suplementos cada vez mais inteligente e bizantina. Podemos acrescentar as modernas e antigas técnicas de mudança do cérebro como Programação Neurolingüística, Leary/Wilson, Modelo Circuito Oito, "Dreamachine" de Brion Gysin, radiônica, tantra, "magick caos" e todo o interminável ocultismo da Nova Era. Tudo isso e muito mais pode ser usado para alterar, deformar, limpar, excitar-se, capacitar, fazer manicure ou melhorar aquilo que você chama de "eu".
O acesso a essas tecnologias é cada vez mais difundido e eu acredito que seu uso e refinamento provavelmente irão produzir algumas customizações admiráveis da experiência humana, bem como distorções do ego cada vez mais grotescas, com seres humanos outrora normais se transformando em algo que só poderia ser descrito como "criaturas" compostas por uma multiplicidade de fragmentos de ego despedaçados e exagerados, ao invés de uma saudável identidade integrada.
O caminho da mão direita: o transpessoal
Se a transhumanidade pode ser vista como uma busca contínua pelo domínio sobre o corpo físico e a realidade material, o transpessoal oferece um caminho muito mais direto (e talvez ainda mais perigoso): o de quebrar as barreiras que separam o pequeno “eu” de todo o mundo em si. Isto é o que pode mais vagamente ser chamado de "caminho espiritual": o caminho da dissolução do ego e união com algo maior que si mesmo.
Sob o título de transpessoal devemos colocar os muitos ramos do sufismo, gnosticismo, cabala, advaita vedanta, budismo mahayana, a maioria das yogas, verdade Tantra, xamanismo, "depth psychology" e as atividades que decorrem da empatia ampliada que essas práticas podem produzir: ativismo político, movimento dos direitos humanos, movimento ambientalista, trabalho direcionado para os problemas da espécie humana e outras formas de "melhorar o mundo."
Deixando de lado, por enquanto, a questão sobre o caráter real ou não da experiência espiritual ou "consciência cósmica", e considerando o espiritual simplesmente enterrado no mundo material, acredito que podemos encontrar a mais alta expressão do caminho transpessoal no campo crescente da ecopsicologia: um modelo psicológico que propõe, grosso modo, que os problemas individuais são manifestações dos problemas do mundo em si, e que se torna impossível falar sobre cura de um paciente sem a cura do mundo em que vivem e o eu e o mundo são, em última análise, indistinguíveis. Nunca houve uma separação, pra começar.
Entre os portões
É fácil ver como esses dois caminhos podem se sobrepor nos seus níveis mais extremos. Por exemplo, vá até os limites de sua expansão e você pode muito bem quebrar-se no processo, permitindo que a "realidade maior" inunde para dentro. Da mesma forma, as percepções de profundidade que surgem do trabalho transpessoal podem e devem nos permitir alterar o mundo físico em razão do fortalecimento e capacitação que o "indivíduo" experimenta - chega um momento em que você pode ter que levantar o seu corpo de espantalho da esteira de meditação, fazer algumas flexões de braço, vestir um terno e começar comunicar ao mercado o que você aprendeu.
Você também pode perceber como esses dois caminhos podem se mostrar intensamente antagônicos.
Não tenha dúvidas de que o transumanismo surge do mesmo impulso dominador que nos deu impérios, moinhos satânicos, a guerra nuclear, a tecnologia biológica, a escravidão, a violação e degradação do mundo físico e assim por diante. Os produtos calcificados e sem alma da cultura ocidental e a ego-adoração pode fazer a expandida consciência transpessoal se sentir tão confortável como farpas nas unhas. [N.T.: para contrabalançar esse ponto, ver artigo David Pearce]
Alternativamente, é questionável o efeito que os insights dos místicos podem realmente produzir. As "elevadas revelações" podem ser novos pontos de vista verdadeiros e necessários para o equilíbrio da equação humana ou apenas delírios de um umbigo alucinado. As contribuições mais duradouras dos místicos que trilham o caminho transpessoal são visões interiores que, uma vez expressas, podem produzir mudanças enormes na forma como as culturas pensam - mas, assim que o autor da visão é (muitas vezes) convenientemente eliminado, no estilo “Poderoso Chefão”, esses insights rapidamente se transformam em burocráticas religiões dominadoras.
O que nos resta?
Dois caminhos. O preto: alterar o ego como algo separado do mundo. O branco: excluir o ego e apagar toda a separação com o mundo. Ambos fornecem uma experiência e a promessa de ir além da "condição humana".
Isolado, o transpessoal resulta em ineficácia; sozinho, o transhumano pode resultar em uma máquina sem alma em um mundo cruel.
Caminhando entre os pilares - sem promessas - pode-se encontrar algo novo em que aqueles que cruzam pelos pilares encontrarão uma estrada ainda sem iluminação, que poucos cruzaram e cujo destino final ninguém ninguém ainda.
Caminhe consciente.
Jason Louv é o autor de Valentine Queen e editor do Hex Generation, Ultraculture e Thee Psychick Bíble. Site: www.jasonlouv.com . Texto original: Conjurations in the element of flesh - balancing the transhuman and the transpersonal.